Tuesday, October 24, 2006

A TRISTEZA



"... Quando a Sofia era pequenina, olhou o Lua no céu, à noite, e perguntou-me o que estaria ela lá a fazer. Somos sempre tão crescidos quando nos tornamos adultos (e, mais ainda, quando nos imaginamos doutores), que uma pergunta assim me deixou entregue ao meu próprio tamanho, diante do Universo. Quando nos põem uma dúvida, as crianças reagem como se nos dissessem:"Já que és tão crescido, mostra lá do que tu és capaz!..." Em verdade, senti-me assim diante da Sofia e fui pouco eloquente no modo como lhe respondi. Como um pai embaraçado, engoli em seco e fui grandioso na banalidade, dizendo-lhe..."Ora aí está uma boa pergunta!..." ( o que, numa versão pimba, significaria:"Enquanto o pau vai e vem... folgam as costas!"). A Sofia não ficou muito lisonjeada e insistiu. Sem alternativa para fugir mais, lembrei-me do que faz um professor quando um aluno o põe diante de uma aflição. E respondi: "E tu, o que é que achas?"... Com a complacência de quem não entende que alguém possa ser pai sem que perceba o óbvio, respondeu-me que a Lua está no céu a fazer estrelas (como se dissesse a si própria: "Descansa, Sofia, que não se pode ter tudo"). Passou muito tempo e, numa noite destas, o meu filho Gugas, de quatro anos, surpreendeu-se ao olhar para o céu. Fiquei ansioso que ele me perguntasse o que está a Lua a fazer lá, na esperança de fazer o figurão que junto da Sofia não fui capaz de fazer. Quando o Gugas me olhou, inspirei (como se lhe dissesse:"Vá lá, pergunta-me tudo sobre a Lua!") e contei até três para que me pusesse à prova. Mas só me perguntou:"O que são as estrelas?..." Dez anos é muito tempo e, como o embaraço não escolhe idades, fui - desta vez - brilhante e respondi: "E tu ... o que achas que elas são?..." O Gugas mirou-me com bondade (como se perguntasse, com os olhos:"Tens andado a fazer os trabalhos de casa?...") e respondeu-me que as estrelas são a luz dos sonhos."
"Todos nós somos mais ou menos crescidos e desembaraçados até tropeçarmos na pequenez humana. Iludimos o nosso tamanho porque isso dói e nos deixa tristes. O tamanho das coisas tem muito a ver com o nosso tamanho em relação a tudo o que nos cerca. Daí que, quando somos pequenos, trinta minutos de Telejornal sejam mais longos que E Tudo o Vento Levou, e uma viagem para o Algarve nunca dure duas ou três horas mas uma infinidade de perguntas do género: "Ainda falta muito?..." O afecto que nos dão atenua o nosso tamanho: quando somos muito importantes para alguém, ocupamos mais espaço, e quando duvidamos do amor que nos dão sentamo-nos sempre à beirinha de uma relação. Por muito grandes que sejam os nossos sonhos, somos todos mais ou menos pequenos quando estamos tristes. A tristeza é tão natural como a sede. Depois de nos assustar, ajuda a crescer. Mesmo que, como as crianças, amuemos quando estamos tristes, como se fizéssemos uma cara feia perante um sentimento que nos desperta medo. Medo de estar triste? Nem por isso. Medo de não termos quem nos dê colo à tristeza.
O que mais dói, quando estamos tristes, não é sentir-se a dor, mas o medo de ficar, para sempre, abandonados à tristeza à volta em nós (como se ela fosse um idioma estranho que ninguém entendesse). E, no entanto, a tristeza faz bem à saúde. Não nos dá todas as respostas mas ajuda, à boleia de uma dor, a perceber que as pessoas são antidepressivos para a nossa tristeza. Quando estamos tristes, "amanhã ... é sempre longe de mais". Porque a dor precisa de boas estrelas que transformem o escuro do sofrimento, onde nos sentimos perdidos, na luz dos sonhos, onde nos podemos encontrar."

Extraído de: "Crianças para Sempre"
Eduardo Sá

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