Sunday, November 05, 2006

A GRANDE LIÇÃO


" Havia uma certa escola apelidada de Escola dos Pesadelos. Trabalhar e estudar nela era um verdadeiro martírio. Os alunos andavam sempre agitados, não se respeitavam e agrediam-se frequentemente. No semestre anterior, um aluno deixara outro paraplégico ao disparar sobre ele. Muitos dos professores estavam ansiosos, deprimidos e amedrontados, devido ao clima que se vivia naquela escola. Os alunos sentiam-se alienados, ansiosos e irritados. Para muitos, o último sítio em que queriam estar era dentro da sala de aula. Raramente alguém tinha interesse em aprender. Estudar, assimilar o conhecimento e fazer testes era verdadeiramente insuportável. Os conflitos eram tão graves que se tornava necessário chamar a polícia diariamente. A escola deixou de ser um canteiro de paz e converteu-se num canteiro de medo. Nada parecia mudar o caos que se vivia naquela escola. Certa vez, um professor de Física, que deu notas baixas a três alunos, foi ameaçado de morte. Temendo pela sua vida, abandonou a escola. Foi o décimo professor a desistir de trabalhar na escola no último ano. Foi contratado um novo professor de Física. Chamava-se Romanov, tinha apenas 1,55 m de altura, era franzino, magro e aparentemente tímido. Ao vê-lo, alguns alunos, com um sorriso sarcástico, pensaram: «Coitado! Este não dura uma semana. Se o antigo professor, que tinha 1,90 m e era musculado, não suportou a ameaça, este será facilmente dominado». No primeiro dia em que Romanov deu aulas ocorreu um grave incidente. Um aluno agressivo e autoritário, apelidado de Gigante, colocou o cesto do lixo da sala de aula junto da porta, para o professor tropeçar. Romanov entrou eufórico, estava desejoso de se apresentar, e nem olhou para o chão. O pequeno professor nunca tinha sofrido uma queda tão aparatosa. Quase partiu uma perna. A classe não conteve o riso, embora alguns tivessem pena do professor. Romanov levantou-se serenamente, sacudiu o pó das calças e depois fitou a face de todos os alunos. Não proferiu uma única palavra, mergulhando num profundo silêncio. No início, ninguém se aquietou. Os minutos foram passando e a plateia começou a ficar incomodada. O silêncio do novo professor penetrou pouco a pouco na mente dos alunos e inquietou-os. Nunca tinham presenciado uma reacção como aquela. Esperavam que o professor se zangasse e lhes desse um sermão, mas foram inundados por um gritante e perturbador silêncio. Quinze minutos depois, ainda estavam todos calados. Acalmada a plateia, Romanov fez algo que os chocou, ao soltar uns gritos incompreensíveis que assustaram todos os alunos. Após o choque, ele começou a fazer movimentos com as mãos, como se fosse um especialista em artes marciais. Os olhos dos alunos não conseguiam acompanhar os seus movimentos. De repente, o professor deu uma cambalhota no ar. Os alunos, atónitos, não queriam acreditar no que estavam a ver; o espaço parecia tão exíguo para um movimento tão fantástico. Parecia um filme. Finalmente entenderam que estavam diante de um grande mestre do karaté, um magnífico cinturão negro. Romanov já ganhara inúmeras medalhas em diversas competições. Treinara pessoas a lutar e a dominar-se, era valente, corajoso e admirado. Mas deixou tudo para se tornar professor. E, como professor, queria treinar os seus alunos a pensarem sobre dois mundos, o mundo em que estão ( o físico) e o mundo a que pertencem ( o psíquico). Após deixar a plateia embasbacada com as suas habilidades, bradou com uma voz poderosa: «- Quem colocou o cesto do lixo junto da porta para que eu tropeçasse?» O Gigante encolheu-se. Os seus lábios começaram a tremer. A sua insegurança denunciou-o. Aproximando-se dele, o professor olhou-o firmemente nos olhos e disse-lhe: «- O poder de um ser humano não reside na sua musculatura, mas na sua inteligência. Os fracos usam a força, os fortes usam a sabedoria. Que tipo de força é que tens usado?» O Gigante não respondeu. O professor perguntou-lhe qual era o seu nome. O jovem respondeu rapidamente. Perguntou-lhe ainda se tinha apelido. Ao saber o seu apelido, o professor meneou a cabeça e fez uma pergunta a toda a turma: «-Quem agride os outros é fraco ou forte?» Romanov ensinava através da arte da pergunta. A arte da pergunta abria as janelas da mente dos alunos e fazia-os reflectir sobre um mesmo problema a partir de vários ângulos, desenvolvendo áreas nobres da inteligência. Queria que eles pensassem de uma maneira ampla e aberta. Contrariamente àquilo em que sempre acreditaram, a turma respondeu: «- Quem agride é fraco!». Respondeu Romanov:«- Então aqueles que promovem guerras e actos de violência são fracos. Quem usa a agressividade e não a sua inteligência é frágil.» Em seguida, voltou-se para a turma e acrescentou: «-Todavia, para mim o Gigante não é fraco, é antes um grande ser humano. Tenho a certeza de que ele tem um excelente potencial intelectual. Ele precisa apenas de descobrir esse potencial.» A plateia ficou paralisada perante as suas palavras. Atónitos, eles perguntavam-se: «Como é que ele conseguiu elogiar um aluno do qual todos os professores procuram manter a distância?» E, dirigindo-se ao Gigante, abriu-lhe a mente. Disse-lhe: «- Tu magoaste-me, mas na minha opinião não constituis um problema nem és um inimigo. Quero que saibas que não és mais um número nesta turma, mas sim um ser humano especial. Se me permitires, gostaria de te conhecer melhor e de ter a oportunidade de ser teu amigo». Em seguida, estendeu-lhe a mão. O pequeno professor tornou-se grande na personalidade do aluno violento, que não amava nem respeitava ninguém. A imagem de Romanov foi arquivada nos solos do inconsciente do Gigante de modo privilegiado. A partir daí, o Gigante, que detestava Física, passou a gostar desta disciplina. Quem ama o seu mestre, ama a matéria que ele ensina. Quem não ama o seu professor, dificilmente amará as suas ideias. Romanov acreditava neste tese. Vários alunos também se comoveram com o episódio. Romanov não tinha apenas um conhecimento lógico sobre a Física, ele conhecia o território das emoções, por isso era um professor fascinante, até porque sabia resover conflitos na sala de aula. Ele rompeu o ciclo da agressividade, ao surpreender e tratar com gentileza os seus agresores. A Escola dos Pesadelos começou a receber os raios solares dos sonhos, o sonho da sabedoria, da generosidade e da fé na vida. A dor transformou-se num golpe de amor no pequeno e infinito mundo de uma sala de aula. Para Romanov, a sala de aula é um pequeno mundo, porque o espaço físico, embora seja pequeno, é infinito, pois contém seres humanos complexos e indecifráveis, isto é, verdadeiros universos a explorar. As atitudes incomuns de Romanov espalharam-se por toda a escola. No episódio do Gigante, ninguém acreditava que ele se calara e ficara emocionado na sala de aula. Ele, que já comparecera na esquadra da polícia e era líder de um grupo que envolvia dezenas de alunos de outras turmas e de outras escolas. No início, os demias professores começaram a estranhar o comportamento de Romanov. Uns achavam que ele delirava, outros pensavam que ele queria ser a estrela da escola e outros ainda que era um herói que estava a assinar a sua sentença de «morte». Esvaziaram-lhe cinco vezes os pneus e riscaram-lhe três vezes o carro. Recebia todas as semanas telefonemas anónimos de alunos a ameaçarem-no. Quase diariamente escreviam frases agressivas ou gozavam com ele fazendo desenhos nos muros da escola. Alguns alunos que não o conheciam, detestavam-no gratuitamente. No território da agressividade não se aceitava a sensibilidade. O tempo passava e apesar de todos os acidentes que aconteciam, Romanov perseverava e continuava a incendiar a escola com a sua mente aguçada. Perturbados, os professores e os alunos perguntavam-se: « De onde vem este professor com um sotaque tão carregado?» Como é que ele consegue reagir com inteligência em situações em que só é possível entrar em desespero? Porque é que quanto mais ameaçado é, mais provoca o raciocínio dos alunos? Porque é que fala de sonhos? Isso não é uma coisa que já está ultrapassada? Por que razão insiste em fazer uma ponte entre a disciplina que lecciona e a vida real? (...)

Extraído de: "Filhos Brilhantes, Alunos Fascinantes"
Augusto Cury